Muitas das opiniões e comentários que, diariamente, se publicam nos jornais, rádios, televisões e redes sociais, opõem-se aos valores e princípios que há muito defendo, pelo que não posso calar-me.
Tal como nos meus verdes anos, acredito, convictamente, num mundo mais solidário e justo, onde os direitos sociais sejam uma preocupação constante das instâncias privadas e públicas. Bato-me por isso e revolto-me quando ouço defender a inevitabilidade da diminuição de direitos universais que constituem património da humanidade.
Já uma vez o afirmei: a presente crise permitiu uma maior transparência da res publica e da ação governativa. Hoje, apesar dos habituais “segredos” tão frequentes na gestão, seja ela de que nível for, os cidadãos conhecem melhoro o estado e as suas instituições do que até há poucos anos atrás. Isto é positivo e significa que nada será como dantes.
Aliás, a transparência é uma das mais importantes qualidades da democracia pois, através dela, gera-se a participação popular e o envolvimento dos cidadãos nos destinos de uma localidade, de um concelho, de uma região, de um país.
A transparência impede a corrupção, essa pecha que mina as sociedades modernas, alimenta a injustiça social e dá cabo dos estados.
Num estudo realizado na União Europeia, Portugal surge no topo da lista de vinte países, pois oito em cada dez portugueses afirmam que, nos últimos dois anos, a corrupção aumentou mais. Os inquiridos confessam também que o combate à corrupção é ineficaz, embora 80% acredite que o envolvimento dos cidadãos nessa luta é fundamental. Interrogados sobre a administração pública, 60% afirma que a “cunha” e os contatos pessoais são importantes para obter serviços, resultados ou acelerar processos.(1)
Esta semana, a associação cívica Integridade e Transparência (TIAC) divulgou um estudo feito com base no levantamento da informação disponível nos websites dos 308 municípios portugueses. O inquérito conclui que a média de desempenho na transparência dos municípios, numa escala de 0 a 100, é só de 33 pontos, “abaixo do que se considera aceitável”.
Figueira da Foz, com 67 pontos, encabeça o “ranking” e nos dez municípios mais transparentes não se encontra nenhum açoriano. Ao contrário, na cauda da tabela, estão Lajes e Sta Cruz das Flores, Corvo e Calheta de São Jorge.
Os 76 indicadores analisados referem-se à informação sobre a organização, composição social e funcionamento do município, planos e relatórios, impostos, taxas, tarifas, preços e regulamentos, relação com a sociedade, contratação pública, transparência económico-financeira e transparência na área do urbanismo.
Com a divulgação destes resultados, aquela associação privada pretende um melhor uso das Tecnologias da Informação e Comunicação pelos municípios e uma “ relação mais transparente com os cidadãos”(2).
A chamada democracia digital e o governo eletrónico (e-gov) constituem um meio rápido e eficaz de os cidadãos acederem aos serviços da administração pública, com a necessária transparência no processo decisório, na gestão de recursos financeiros e na prestação de contas.
Muitos eleitos, infelizmente, estão convencidos de que a escolha para o desempenho de um determinado cargo, os transforma em donos e senhores dos organismos, daí impedirem a transparência da gestão pública. Todavia, quanto mais secretismo houver, maior será a desconfiança do cidadão.
É tudo isto que deve fazer parte da reforma do estado, contribuindo para a participação cívica no processo democrático.
Se, a juntar à crise e às dificuldades por que todos passamos, silenciarmos a gestão da coisa pública, estar-se-á a abrir portas ao surgimento do regime de que nos libertámos em abril.
Essa não é a solução para os nossos males. A única que nos salvará dignifica a democracia participativa e transparente.
(1)http://issuu.com/transparenciapt/docs/relato__rio_gcb_2013_pt_final
(2)http://www.publico.pt/local/noticia/municipios-com-maus-resultados-em-ranking-de-transparencia-1610764
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